O Brasil e a maldição colonial do patrimonialismo político.

* Pastor, jornalista, professor universitário e consultor empresarial
 
Na última quinta-feira (23), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para manter a possibilidade de nomear parentes para cargos em comissão. Segundo o entendimento que prevaleceu na Corte, tal prática não configura, por si só, o crime de nepotismo.

A decisão representa um retrocesso na longa e árdua luta contra a cultura patrimonialista que, desde nossas origens coloniais, persiste na política brasileira. Esse vício de confundir a coisa pública com interesses privados foi uma herança maldita que nos legaram os portugueses.

Nesses mais de quinhentos anos de história, gerações de brasileiros nascem, crescem e morrem sob o jugo de uma mentalidade que trata o Estado como extensão do domínio pessoal. A coisa pública é reduzida a um bem particular, onde o interesse público se submete às conveniências do grupo no poder.

Eleições vêm e vão, e a suposta "mudança" que muitos apregoam não passa, na melhor das hipóteses, de uma mera alternância de elites. A verdade por trás de muitas disputas eleitorais, especialmente em Estados e municípios, revela que a democracia no Brasil ainda é uma quimera. Muitos eleitores não votam por convicção ideológica ou programa de governo, mas em troca da promessa de um benefício futuro – notadamente, a almejada indicação para um cargo público.

Nas campanhas, o engajamento de apoiadores é frequentemente lastreado na promessa de uma nomeação. Em muitas cidades do interior, sobretudo na Amazônia, essa é a moeda política por excelência: o apoio eleitoral é trocado por um emprego para o cabo eleitoral e seus familiares.

Essa falta de lisura na gestão pública transforma a política não apenas em um negócio, mas em um empreendimento de clãs. O resultado é a erosão da transparência e da qualidade dos serviços prestados à população. Quem não integra a camarilha no poder fica excluído do banquete, restando-lhe apenas as migalhas.

É sintomático que muitos políticos se apresentem como beneméritos, fazendo caridade com a estrutura financeira e a capilaridade do cargo que ocupam – o mesmo cargo que, não raro, será o instrumento para sua perpetuação no poder.

A lógica da nomeação, portanto, raramente é a da competência técnica. Em muitos lugares, quem tem "nome e sobrenome" ou é amigo do prefeito ganha primazia. É comum a negociação antecipada de secretarias ou de vantagens em licitações públicas. O critério é o grau de proximidade com o mandatário, enquanto a habilidade técnica se torna mera formalidade dispensável. Contraste gritante com a via do concurso público, onde o cidadão comum enfrenta uma enxurrada de exigências burocráticas e intermináveis protelações.

O ministro Flávio Dino, em voto vencido, acertou ao afirmar, com a precisão de uma analogia contundente, que "uma reunião governamental não pode ser uma Ceia de Natal".

Infelizmente, decisões como a do STF nos afastam da consolidação de uma democracia plena, onde os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade sejam efetivamente respeitados. Em vez de avançarmos rumo ao progresso republicano, nos rendemos a um falso pragmatismo, negociamos nossa autonomia e renunciamos a valores éticos fundamentais.

A maldição do patrimonialismo, que desrespeita a impessoalidade e a legalidade, sequestra o Estado e o transforma em propriedade de quem o governa. Esta sim, é uma das raízes mais profundas do atraso da nação brasileira.

 

  
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