Zigmunt Bauman: As redes sociais são uma armadilha - ENTREVISTA

Segue uma entrevista* exclusiva concedida por Zigmunt Bauman ao jornal espanhol 'El País', onde o filósofo aborda questões como política, democracia, pós-modernidade e redes sociais.

Tradução: Antonio Victor - Jornalista Folha 390


Com o seu famoso cachimbo e seus cabelos
reluzentes, Bauman é um dos mais
conceituados teóricos da pós-modernidade.
Imagem: reprodução/El Páis


Zygmunt Bauman (Poznań, 19 de novembro de 1925) é um sociólogo polaco. Serviu na Segunda Guerra Mundial pelo exército da União Soviética . Nos anos 40 e 50 foi militante entusiasmado do Partido Comunista Polaco, até se desligar da organização devido ao fracasso da experiência socialistas no leste europeu .

Graduou-se em sociologia.  Iniciou sua carreira na Universidade de Varsóvia, de onde foi afastado em 1968, após ter vários livros e artigos censurados. Emigrou então da Polônia, por motivo de perseguições antissemitas, e na Grã-Bretanha tornou-se professor titular da Universidade de Leeds. Recebeu os prêmios Amalfi (1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e Adorno (1998, pelo conjunto de sua obra). É professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia.

Pergunta – Você vê a desigualdade como uma metástase. Está em perigo a democracia?


O que está acontecendo agora, o que podemos chamar de crise da democracia, é o colapso da confiança. A crença que os líderes não só são corruptos ou estúpidos, mas que são incapazes. Para atuar se precisa poder: ser capaz de fazer coisas; e se precisa de política: a habilidade de decidir que coisas tem que fazer. A questão é que esse matrimônio entre poder e política nas mãos do Estado-Nação acabou . o poder se globalizou, porém as políticas são tão locais como antes. A política tem as mãos cortadas. As pessoas não acreditam no sistema democrático porque não cumpre suas promessas. É o que está colocando em questão, por exemplo, a crise da imigração. O fenômeno é global, porém atuamos em termos clientelistas. As instituições democráticas não foram desenhadas para lidar com situações de interdependência. A crise contemporânea da democracia é uma crise das instituições democráticas.

P. – O pêndulo que descreve entre liberdade e seguridade, para que lado está oscilando?


São dois valores tremendamente difíceis de conciliar. Se tiveres mais seguridade tens que renunciar a certa liberdade, se queres mais liberdade tens que renunciar à seguridade. Esse dilema vai continuar para sempre. Há 40 anos acreditávamos que a liberdade havia triunfado e estávamos em uma orgia consumista. Tudo parecia possível em virtude do crédito: Você quer uma casa, um carro... Você vai pagar depois. Foi um despertar muito amargo, o de 2008, quando acabou o crédito fácil. À catástrofe que veio, o colapso social foi para a classe media, que foi arrastada rapidamente ao que chamamos de endividados.
A categoria dos que vivem em uma precariedade continuada: não saber se sua empresa vai se fundir, vai comprar outra ou vão à falência, não saber se o que está custando tanto esforço lhes pertence... O conflito, o antagonismo, já não é entre classes, mas sim o conflito de cada pessoa com a sociedade. Não é só uma falta de seguridade, mas de liberdade.

P. – Afirma que a ideia do progresso é um mito. Porque no passado confiávamos na ideia de um futuro melhor, e hoje não é.


Estamos num estado de interregno, entre uma etapa em que tínhamos certezas e outra em que a velha forma de atuar já não funciona. Não sabemos o que vai substituir isso. As certezas foram abolidas. Não tenho condições de dar uma de profeta. Estamos experimentando uma nova forma de fazer as coisas.

P. – As redes sociais mudaram a forma com que as pessoas protestam, ou a exigência de transparência. Você é cético quanto a esse <<ativismo de sofá>> e sublinha que a internet também nos adormece com entretenimento barato. Em vez de um instrumento revolucionário como a vê alguns, as redes são o novo ópio do povo?


A questão da identidade se transformou em algo que se presta a um objetivo específico: tu tens que criar tua própria comunidade. Porém não se cria uma comunidade, você a tem ou não; o que as redes sociais podem criar é um substituto. A diferença entre a comunidade e a rede é que tu pertences à comunidade, porém a rede pertence a ti. Podes adicionar amigos e podes excluí-los, controlas dessa forma as pessoas com as quais te relacionas. As pessoas se sentem um pouco melhor porque a solidão é a grande ameaça nestes tempos de individualismo. Porém nas redes sociais é tão fácil adicionar amigos ou excluí-los que não necessitas de habilidades sociais. Estas você desenvolve quando está na rua, ou vais ao teu local de trabalho, ou te encontras com pessoas às quais precisas manter um relacionamento razoável. Aí tens que enfrentar a dificuldade, envolver-se em um diálogo interpessoal.


O papa Francisco, que é um grande homem, ao ser eleito deu sua primeira entrevista a Eugenio Scalfari, um jornalista italiano que é autodeclarado ateu. Foi um sinal: o diálogo real não é falar com gente que pensa o mesmo que tu. As redes sociais não ensinam a dialogar, porque é tão fácil evitar a controvérsia... Muita gente usa a rede social não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para encerrar-se ao que chamo de zona de conforto, onde o único som que se ouve é o eco de sua própria voz, onde o único que vê é o reflexo de sua própria cara. As redes são muito úteis, nos oferecem serviços muito prazerosos e eficientes, contudo é uma armadilha.  

*Para ler o texto original em espanhol clique aqui

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