Paraenses tentam sobreviver sem saneamento em meio à maior crise do século na saúde

 

A maior crise do século na saúde já fez mais de 4,1 mil mortos no Pará. Até 14 de junho, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, o número de casos confirmados de covid-19 passava de 69 mil. Além da falta de leitos e de unidades hospitalares estarem operando em capacidade máxima, o estado tem mais um adversário na luta contra o coronavírus: o acesso deficiente a serviços de saneamento. Para se ter ideia, mais da metade da população paraense (54,4%), estimada em oito milhões e meio de pessoas, ainda não tem acesso à água tratada, segundo dados do Painel Saneamento Brasil. 

Diante desse cenário crítico, medidas básicas, como lavar as mãos com água e sabão e cozinhar alimentos para evitar o contágio do novo coronavírus, tornam-se cada vez mais difíceis. 

“Como é que essas pessoas podem se higienizar, em um momento de pandemia, se elas não têm água? Muitas usam água de poço, de cacimba, de cachoeira, de rio. Além de não se higienizar contra o coronavírus, elas podem adquirir outras doenças que são tradicionalmente transmitidas pelo esgoto doméstico”, alerta o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. 

Nem mesmo quem vive na capital escapa disso. Com 1,4 milhão de habitantes, Belém deixa de oferecer água encanada para mais de 440 mil pessoas e rede de esgoto para 86% dos moradores (1,2 milhão).

Em Ananindeua, dos 525 mil moradores, 354 mil vivem sem acesso à água, o que corresponde a 67,4% da população. Com o esgoto, a situação é ainda pior: 98% não contam com os serviços de coleta de dejetos. O índice de tratamento, segundo o Painel Saneamento Brasil, é menor que 2%. 

Outra cidade populosa do estado, Santarém também sofre com a falta de saneamento. Quase 290 mil pessoas não têm o esgoto coletado (95,8%) e 147 mil vivem sem água potável nas torneiras. 

Para o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), Percy Soares Neto, a solução do problema é ampliar os investimentos no setor, o que ajudaria a diminuir a pressão no sistema público de saúde, com menos pessoas doentes em virtude da prestação inadequada desses serviços essenciais.

“Para a pessoa que vive em um bairro sem esgoto, não interessa se ela é 1%, 10% ou 20% da população. É um cidadão ou uma comunidade de cidadãos que não está atendida pelos serviços”, ressalta. 

Apesar dos números oficiais do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), compilados pelo Painel Saneamento Brasil, mostrarem uma realidade alarmante, o site da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) informa que “atende a população urbana do estado do Pará com serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, de forma a alcançar elevados níveis de qualidade e de universalização.” 

A Cosanpa aponta que estão sendo feitas obras de ampliação de abastecimento de água em Santarém, por exemplo. Os investimentos, segundo a estatal, estavam paralisados desde 2016. As obras foram retomadas no ano passado e 45% delas já foram executadas. O investimento de cerca de R$ 130 milhões vai para perfuração de seis poços, construção de cinco reservatórios e 300 quilômetros de novas redes para ampliar o abastecimento de água para mais de 20 bairros. A previsão de conclusão é para 2021. 

Em Ananideua, segundo relatório de investimentos de janeiro deste ano, há pelo menos três obras de ampliação e/ou melhoria em andamento que beneficiariam diretamente os moradores da cidade – todas com previsão de término até dezembro deste ano. 

O problema é que em 2018, pelo 15º ano consecutivo, a Cosanpa fechou o ano com saldo negativo entre receitas e despesas, com prejuízo superior a R$ 240 milhões, o que coloca em xeque os investimentos futuros para universalização dos serviços. 

Novo marco legal

Para dar fôlego ao setor, no Congresso Nacional, senadores podem votar o Projeto de Lei 4.162/2019 ainda este mês. Um dos pontos do texto determina que a Agência Nacional de Águas (ANA) passe a emitir normas de referência e padrões de qualidade para os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, gestão do lixo urbano e drenagem de águas pluviais.

Baseado na concorrência entre companhias públicas e privadas, o novo marco legal prevê que os contratos de saneamento sejam firmados por meio de licitações, facilitando a criação de parcerias público-privadas (PPPs). Ainda de acordo com a proposta, a privatização dos serviços de saneamento não se torna obrigatória, apenas garante a oferta mais vantajosa para o setor, por meio de concorrência. Dessa forma, as empresas estatais podem ser mantidas, livres para participarem das concorrências, desde que se mostrem mais eficientes que as empresas privadas que participarem da licitação.

“Isso é importante por conta do déficit que a gente vive. Os recursos públicos para investimento em saneamento são cada vez mais escassos. Com isso, há a necessidade de atrair investimentos privados para o setor”, analisa a pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV/CERI) Juliana Smirdele.

Para melhorar os índices de cobertura no interior dos estados – locais que mais sofrem com falta de serviços de saneamento, a nova lei possibilita a criação de blocos de municípios. Com isso, duas ou mais cidades passariam a ser atendidas, de forma coletiva, por uma mesma empresa. Entre os critérios que poderão ser utilizados, está a localidade, ou seja, se dois ou mais municípios são de uma mesma bacia hidrográfica, por exemplo.
 



Fonte: Brasil 61
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